segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

MULTI-NATUREZA













Relendo e recanalizando alguns textos arquivados, tomei consciência, de repente, da qualidade do campo a minha volta. Senti o quanto esta simples casa aqui do Bom Abrigo é um lugar perfeito para se entrar em contato com esse imenso universo contido em cada detalhe de tudo que há. A casa do sítio, em São Pedro, me parece igualmente propícia. Estar na caminhonete estacionada em frente àquela loja enquanto Vitor vai ao banco, contemplando aquela única árvore espremida na calçada, também é um lugar na Terra bem extraterrestre, lugar de conexão interestelar. Talvez porque nossa verdadeira casa não esteja em nenhum lugar físico específico, talvez porque toda a boa substância esteja sempre ao alcance em toda a parte, talvez porque haja em mim certa militância esquizofrênica que insiste em criar nichos, atalhos, túneis que me teletransportem seguidamente para o Agora Infinito, chego à conclusão de que essa coisa local é mesmo equivocada e que Eu Sou em tudo que há e que amo esse pertencimento.

Em tudo me vejo, tudo me remete informações importantes sobre essa estranha que Eu Sou e atenta, aprendo. Talvez por essa permeabilidade, por esse reconhecimento de identidades, na sala de consulta homeopática tenho enorme dificuldade em descrever objetivamente o que Sou Eu, a que venho, onde está meu dodói, o que produz o quê neste meu corpo encarnado, fazendo-me ansiar por aquele preciso lado virginiano que sempre define e fecha as coisas numa boa, aquela consciência corporal cheia de começo, meio e fim que já vi em outros e que tenho enorme dificuldade em manter. (O que será de mim quando Netuno finalmente entrar em Peixes?) Assim, enquanto Vitor não vem, aproveitando as janelas do carro, cá estou eu me experimentando naquela árvore plantada na aridez da calçada, entre o estacionamento da loja e o banco, do outro lado da rua, crescendo, inespecífica, em meio ao nervoso trânsito paralisado, aprendendo a buscar alimento em fontes invisíveis, na verticalidade, visto que a energia circundante se esgota no calor, na correria, na luta pela melhor vaga, no vazio, nos sonhos de fim-de-semana, na compra e venda de mil e uma bugigangas para os pequenos reparos em nossas pseudo-moradias. Há um universo inteiro, inteligente e organizado, contido nessa forte-frágil árvore empoeirada que ninguém vê. Aprendemos a ver-reconhecer apenas determinados espécimes, figuras, formas pré-catalogadas. Esse catalogozinho é um tanto fuleiro, mas seguimos com ele mesmo assim. A árvore cumpre ali um papel do qual não tomamos ciência, exalando, transpirando cura, conectando céu e terra, pulverizando sua paz vegetal num ambiente grande demais para sua pequena envergadura. Assim, embora seja uma afronta para nosso ego, no lufa-lufa do dia-a-dia não tomamos ciência de muita coisa. E eu ali, alerta à Presença da árvore em mim, mas, ao mesmo tempo, recebendo em meu interior o cidadão barrigudo, suado e comum que passa pela árvore sem fazer contato, tão anônimo perante o mundo quanto ela, mordendo, apressado, algo que parece uma banana recheada, ou uma salsicha empanada, correndo atrás da sobrevivência. Definitivamente, Sou também essa figura humana que não está nem aí. É preciso reconhecer esse lado renitente, consumido, que não está nem aí, e colocá-lo suavemente ao abraço da árvore. Eu sou o homem barrigudo e a árvore, agora tomados por esta nova perspectiva reconciliatória, novamente parte da mesma substância fundamental. A árvore e o homem passaram a existir para mim, em mim, embora, paradoxalmente, sempre tivessem estado lá, como se em meu centro, algo meio que conhecesse detalhes desse pertencimento. Mas hoje, ao visitá-los, ao acolhê-los, experimentei suas vidas como aspectos de meu Ser. Mas quantos aspectos, Senhor, existem em meu Ser? – Todo o universo manifesto e imanifestado! Vitor diz, lá da sala, que o fim de semana está molhado e que já está escurecendo. São exatamente 16:04, no relógio do meu laptop, neste domingo, 05 de dezembro de 2010, horário de verão, enquanto escrevo. De fato, uma espécie de noitinha invernosa está descendo precocemente, neste final de dia de primavera, no Bom Abrigo. Então, eu me dou conta do quanto tenho a ver com a perturbação do clima, que em meu tosco estado de consciência atual estou na causa do aquecimento deste mundo, dessa Era do Gelo que se avizinha, dessa transformação, que por destruir pontes e romper com as estruturas, também é libertária, e que se faz presente em cada trecho do espaço e do tempo, como os percebemos, no coração de todas as células. E checo minhas criações.

Penso que em outros tempos já vivemos dias de muita coragem quando nada nos detinha e “respirávamos” à plena, quando ousávamos desbravar mundos, enfrentar a ameaça das fogueiras, quando brilhava diante de nós a Luz e, simplesmente íamos atrás daquela claridade. Era mais fácil interpretar, focalizar o “inimigo” fora de nós. Assim: nós contra eles. Hoje olhamos a Vida através de outras lentes, de outro paradigma que segue se desvelando. Parece certo que em algum momento, em algum ponto do percurso houve uma queda, uma desorganização no Servidor, uma desorientação do foco, um olhar que se voltou excessivamente para fora, e por falta de referência mais concreta – pois que passamos a depender disso, da referência concreta, desse sextante equivocado que neste mar, mede mal o ângulo do horizonte humano e a Estrela – por falta de outra explicação atribuímos a causa desse desassossego a um trauma de infância, a uma encarnação em particular, ou talvez a mais de uma, que nos marcou pela contenção e pelo medo. Quanto a mim, apesar de saber, por exemplo, como foi um tempo duro, o dos mosteiros da Idade Média, e como esse passado está inscrito em minhas memórias celulares, e como isso, de certa forma afeta o futuro, até essa ilusão linear confortadora de causalidade simples já se desvanece quando respiro no Agora. Toda essa história comprida e seus ângulos de inserção em meu sistema, que pode ser novamente acionada dependendo da correta estimulação, tudo isso vai se distanciando de minha rotina de patrulhamento, vai se resumindo, transformando-se na certeza de que o universo inteiro está dentro de mim mesma, na constatação de que a luta não é ferramenta que resolve, mas pelo contrário, agrava, e que tudo, absolutamente tudo é rico em informações urgentes e inadiáveis sobre a multi-natureza do meu Ser, o qual só encontra realização não na mórbida escavação do passado, mas quando permaneço no vasto fluxo do eterno agora, plugada no processo de assimilação-expansão ininterrupto ao qual o “meu” homem barrigudo resiste, comendo o treco-fast-food-frito!

Algo dentro de mim diz que é preciso recordar a coragem para trabalhar o medo, a resistência, a paralisia, já que tudo ao redor, digo, tudo que consta do manual, que forma a massa crítica, reconduz ao velho. Que novamente é preciso ousar dar um passo além de nosso tempo, e construir, sem saber bem como, esse Fio para não sabemos onde, e viajar sorrindo, amando o processo de aprender e de caminhar. Não temos como avaliar a exata medida das coisas, mas sabemos que ela vai além das medidas estabelecidas, e também que esse equilíbrio é delicado. Delicada é essa nova forma de ousadia que ora contatamos, onde o enfrentamento e a “luta” cedem lugar à entrega ao Mundo Unificado, mudando radicalmente a concepção das coisas. A fase atual pede, sobretudo, conexão com a Consciência de Paz para que se entre em sintonia com o fluxo dessa Rede de Sustentação Interna que produz sincronicidade na Rede Externa.

Por outro lado, definitivamente, não nos é dado parar, passar a tal borracha por cima e dormir na rede, embalando-nos no sono do esquecimento. A vida, hoje, faz questão de nos lembrar, a cada momento, de que o caminho é para frente, embora nenhum modelo já feito se encaixe em nós, como a roupa de criança que não cabe em nosso corpo crescido. Basta recuar um pouco e um profundo sentimento de insatisfação toma conta, caminho sem volta, sinalizando que é impossível tornar a viver pelos velhos padrões. É preciso destapar o ducto, liberar o fluxo desse éter, néctar inédito. Nada mais nos satisfará. É, no entanto, um projeto de tal magnitude o contato com a Realidade que a estrutura da personalidade em si, sem a ajuda daquilo que chamamos de Espírito, não está equipada para suportar. Tudo e todos são aspectos do meu Eu exteriorizados, em mutação e ajustes, aspectos que, enganosamente, aprendi a supervalorizar ou a rejeitar, e que se colocam diante do meu olhar para serem integrados, tipo, tudo o que vejo está em mim. No entanto, cada um desses seres – partes do meu Eu - tem seu projeto próprio, mineral, vegetal, animal, infra e sobre humano, sua visão de mundo, uma trajetória que passa por avenidas que o outro não escolheria, sua maneira própria de rir, de gostar de maionese de batata ou de suco de melancia, sua própria tonalidade criativa, colaboração para a ampliação daquilo que a Vida significa. Simplificando muito a questão, falando por analogia, é mais ou menos como se cada um olhasse do ponto de vista de cada casa e signo do zodíaco, e suas múltiplas combinações, vendo a vida sob diferentes perspectivas, brilhando em certas áreas e prevaricando em outras, com fluxos livres de condução de energia em alguns pontos e enorme tensão em outros. Embora esses seres pareçam, ao olhar descuidado, tão diferentes entre si, subterraneamente nossos elétrons conversam, revelam uns aos outros seus segredos mais íntimos sem qualquer filtro, barreira ou pudor, não importa onde, neste universo, estejamos, enquanto mentimos descaradamente pelo lado de fora do invólucro, tentando manter um relacionamento conveniente ao nosso traquejo social, criando um resultado confuso. Contudo, entre mortos e feridos, entre um insight e outro, movemo-nos em consciência, cansa-nos representar os velhos papéis estereotipados e estamos aprendendo em ritmo acelerado a lidar com essa multi-natureza imensa, com esse múltiplo e Uno Ser que Eu Sou. Às vezes chegamos a pensar que perdemos de vez o julgamento, ou quem sabe, o juizo, o controle antigo, para percebermos mais adiante que nem tanto. Mas, vamos soltando antigos apegos conceituais e já caminhamos mais livres, unificando-nos, dando passos mais consistentes em direção ao Amor, estado que só manifesta sua plenitude no agora. Como um ímã, a Revelação nos traciona em direção a uma multidimencionalidade ainda mais ampla que só acessaremos através da unificação desse primeiro estágio.

A cidade costuma "fechar" nesta época para as férias de final de ano, mas algo muito importante está nascendo. Não há férias! É tempo de mutirão! É tempo de foco, da mais completa atenção, de manter a lamparina acesa durante a noite, compreendendo os símbolos à luz do dia. Este é um dos mais belos e desafiantes tempos de se viver! Não é momento de se ficar colocando algodão entre os cristais, morrendo de medo de quebrar aquilo que já foi rompido! Parece que tudo que se pede de nós é que continuemos a seguir o brilhante Fio de Ariadne até o centro do Labirinto. Focado o Centro, sustentada a Ligação, finda o medo, cai o pano, fim de cena, fim de jogo, abre-se o canal de travessia para o novo estágio, plano, dimensão de oportunidades. Reencontro com nosso Ser Alado!

Há dentro de nós, por direito hereditário e por clamor, a mais perfeita Força e todo o kit de ferramentas para continuarmos e chegarmos ‘lá’, através do Caminho do Coração. O ano que se avizinha promete! Sinto isto ao constatar esse meu novo envolvimento com a árvore e o homem barrigudo. Neste espírito, seguem os meus mais sinceros votos de um feliz ano NOVO, a partir do AGORA.

Amor, Junto,

Maria Helena

Florianópolis, 05/12/2010