domingo, 22 de novembro de 2009

E chove


Um texto de Março de 2009:


Cá estou eu, nesta sexta-feira de Deus, aqui na minha 'Ohana, em meio a esta chuva contínua que tem estado entre nós pelos últimos quatro meses, causando acidentes memoráveis e dolorosos por todo o sul do País e que nos leva a comungar de modo mais profundo com o elemento água, trabalhando em nós profundo desapego. Tudo verde, tudo úmido, tudo escorregadio. Vestidos com macacão com botas pantaneiro, casaco impermeável com capuz, chapéu de palha de abas largas revestido com um saco plástico, de modo que os pingos caiam longe do corpo, nada nos impede de caminhar à vontade pelo lugar todo, deixando a chuva fazer parte da paisagem, verificando os canais que foram abertos ao longo do campo para que as águas sejam drenadas em direção ao lago. A terra já não absorve uma gota sequer e as águas, rápidas, rolando canais abaixo, reverberam alto como pequenas cachoeiras, ou valentes riozinhos afluentes, mergulhando no lago dos patos que está realmente cheio. Corremos para desentupir o cano que funciona como ladrão do lago que estava obstruído por folhas, restos de água-pés e galhos, pois as águas haviam invadido a ilha central, desbarrancando as laterais e quase emendando esse lago com o vizinho Laguinho Krishna. As cercas, despencadas, permitindo aos patos, marrecos e gansos pastarem por toda parte, inclusive no quintal de nossa casa. Chamei por Maria Antônia, um pouco apreensiva, pois em outra enchente ela havia sido levada pelas águas e, meio que pelo faro, intuição, amor telepático, saímos vagando, procurando por todo lado até encontrá-la rio abaixo, debaixo da ponte do Celso. Mas hoje, reconhecendo minha voz, ela veio comer ali na beirinha, enquanto eu falava pra ela coisinhas lindinhas, minha tartaruguinha querida! Maria Antônia é uma espécie de filha que adotei, uma tartaruguinha muito gente-fina, super bonita, uma Tigre d'Água Americana que cresceu no apartamento de um amigo, em Florianópolis, e que me foi confiada para que tivesse uma vida na natureza. Ela tem uma marca vermelha perto dos olhos, herança de sua raça, que chama atenção das pessoas da região. Hoje em dia, em meio a toda essa loucura do clima, mora no lago só mesmo porque quer. Às vezes ela 'foge' e vai passear no Laguinho Krishna. Depois volta. Tem uma memória estupenda e conhece muito bem os caminhos, principalmente os atalhos. Penso que se eu fosse ela, também ia querer passear no Laguinho Krishna, onde o astral é muito melhor, é cheio de sapinhos, lavadeiras, bichinhos mil, águas mais claras onde crescem lótus e água-pés que são uma bênção. Quem não ia querer dar uma escapada?


E chove! Esta temporada forçada de excesso de chuva e frio fora de época tem feito coisas, alterando expectativas. O feijão plantado, na sua maioria, amarelou, melou e morreu. Ainda não plantamos o arroz, e é capaz de não dar mais tempo, nem o milho... Muita água. Por outro lado, para eu não virar uma reclamona, tem sempre algumas maravilhas em curso, como as bananeiras fazendo cachos, os limoeiros sicilianos imensos, os abacateiros enormes, as parreiras cheias de uvinhas... As cebolas, apesar de toda a chuva, estão quase na hora de serem colhidas. Isso, para a gente nunca acreditar na limitação! Desapegamo-nos de algumas coisas e dirigimos nosso olhar à outras. Temos colocado na terra tudo quanto é semente de todas as frutas que comemos. Temos plantado até sementes de maçãs, daquelas que compramos à quilo no supermercado. Algumas delas já estão bem crescidas. E embora nos digam que jamais darão frutos, nos recusamos a acreditar nisso. Comemoramos seu crescimento, suas folhas que rebrotam sempre num tom de verde muito bonito. Vejam as sementes de limas-da-Pérsia, compradas assim, nas mesmas condições, e que coloquei dentro de um vaso de violetas, no consultório. Elas germinaram e as colocamos na terra quando ainda eram tão pequenininhas que a nossa ajudante, Janete, só ria, achando um tremendo absurdo darmos tanta atenção para aquelas plantinhas frágeis com cerca de quatro folhinhas, e que por certo morreriam antes de se adaptarem. Hoje são quatro formosas arvorezinhas que dão limas amarelinhas, deliciosas... No início, plantamos cenouras vindas dessas sementes violadas que se compra no comércio, cujas plantas não espigarão, para que sejamos obrigados a comprar novas sementes da multinacional, ficando, assim, cada vez mais à mercê dos donos da Matrix, matriz da 'tecnologia'. Pois não é que em dado momento, acreditem, um pezinho de cenoura magicamente espigou e ficamos com o coração na mão! Cheinho de flor, deu uma bacia enorme de sementes, que colhemos e replantamos. Agora temos sempre muitos pezinhos de cenoura espigados com milhares de sementes! A vida multiplicando-se em meio a esse caos aparente. Há todo um barulho do raciocínio em cima de teorias, mas no silêncio da observação surge um amor que confia na vida e que desperta a semente.


E chove!
Às vezes a chuva vem do oeste e a gente pensa que o vento vai, enfim, levá-la embora. Mas, aí, ela faz meia volta e vem de leste. Acaba a reserva de água de um lado e ela vai se abastecer no outro. Penso, então, que não dá para esperar, e se não temos mais sol, let's sing in the rain! Levanto-me para esticar as pernas e dançar um pouco: gracias a la vida que me ha dado tanto! O fogão à lenha esquentando essa mistura de sala, copa e cozinha. Almoçamos ervilhas com batatas e massinha no alho, Vitor foi fazer a siesta e estou aqui, acompanhada deste laptop cor-de-rosa, una computadora, mocinha, do sexo feminino, como diz o Paulinho, que toca esse sonzinho maneiro, onde teclo, onde estudo astrologia - como é bom - enquanto chove. E constato que a nossa ajudante, Janete, teve medo da chuva: já passou da hora e ela não veio trabalhar. Há tanto por ser feito, mas nessas circunstâncias vemos a importância de praticar a entrega, a aceitação, e como diz o povo, colocar as coisas nas mãos de Deus! Ainda hoje fomos pela trilha, caminhando mata adentro, até a beira do rio que corre lá no fundo. Há um tempo atrás havíamos assentado algumas pedras no chão, próximo da margem, de forma bem simples para não destoar, não machucar muito a energia do lugar e ainda termos um chão mais firme onde pisar. Agora, o rio encorpado, crescido, indomável, passava por cima da represinha, das margens, seguindo deu próprio curso e destino, independente de nós e de nossas pedras colocadas na margem. Um espetáculo forte, lindo! Então, é preciso reverenciar a vida, trabalhar com afinco, traçar objetivos claros mas sem qualquer apego, abertos à co-criação e à possibilidade de mudança de itinerário, saber a hora de abrir mão da agenda e pular fora. Por isso mesmo, independente do tempo, eu venho para o sítio, planto, converso com os carneiros, morro de rir dos gansinhos adolescentes, tão lindos, fico de namorinho com a Maria Antônia, que toda charmosa, mergulha e volta, e tudo está bem no meu mundo!


E chove!


São Pedro de Alcântara, 20 de março de 2009


Retorno, após uma noite de chuva intensa, para registrar a morte da minha menina Maria Antônia! A violência das águas formou um vórtice muito intenso no ladrão do lago que sugava as águas aos borbotões. Ela foi tragada pela cabeça, ficou presa e não conseguiu mais nadar para fora! Estás agora unificada à tua alma-grupo, minha querida! Em algum universo paralelo vives, agora, sem a forma de tartaruguinha que vestiste para que eu pudesse aprender que gente e tartaruga podem viver um amor sem igual! Atravessaste a linha e entraste no grande mistério! Contigo estão a Betinha, o Léo, a Lindinha, a Preta e o Ferdinando. Ferdinando, o pai de todos os carneiros desta 'Ohana, que já velhinho, fui levar-lhe um agrado em sua casinha, aquele capim cheiroso que ele tanto gostava, e uma bacia d'água, porque já não conseguia caminhar. Conversei com ele, acariciei sua cabeça, agradeci pela bênção de sua presença, pelas impagáveis aulas de olhar-no-olho-lindo-do-carneiro-e-entender-tudo, e quando saí de lá, ele deu apenas um passo cambaleante até a porta, atrás de mim. Voltei-me e ele olhou-me intensamente com seus puros olhos de carneiro e eu soube que era a despedida. Meu coração humano não queria mesmo passar por isso, mas a Alma que mora em meu coração pode sentir a paz, que como um halo, exala desses momentos. E exulta pela bela festa que vocês estão fazendo nos verdes prados do Senhor, no outro Laguinho Krishna, nessa outra 'Ohana que fica aí desse lado.


Ainda chove.


Maria Helena
São Pedro de Alcântara, 21 de março de 2009.

domingo, 15 de novembro de 2009

Atravessando a Boca da Caverna



Postando um texto de 2007:



Oi Su, respondendo sua pergunta:

Segui o link que você me enviou e li o comentário da pessoa sobre o filme The Secret. O texto todo segue a lógica mais fácil, mais antiga, indo por um caminho que me parece muito linear, colocando, portanto, tudo num nível um tanto "primitivo", estreito. Ela, a autora do artigo, fica presa numa retórica óbvia e é incapaz de aprofundar, porque provavelmente é só até onde consegue alcançar. Não se reconhece como criadora. A mágica está presente na vida, mas não da forma limitada como ela percebe ali: a mágica de circo. A vida, minha amada, é pura Mágica, com letra maiúscula! Mas cada pessoa sempre fala a partir do ponto onde se encontra. O filme, holliwoodiano, sim, me parece útil para atingir várias camadas da população, pois estamos num atraso tão sem fim com relação ao uso de nossos potenciais, nossos sentidos internos, que não dá mais tempo para se ficar explicando tudo tim tim por tim tim, assim chegamos no resumo dos resumos. O ponto não está apenas nessa coisa grosseira de se produzir, criar matéria, um produto A ou B através da focalização do pensamento energizado pela paixão-sentimento. Ou seja, a nova modinha de auto-ajuda para se ganhar dinheiro! O ponto está na consciência de que você é um ser criador e não uma vítima, que você cria a sua realidade e não aquela velha estória de que o carma se abate sobre sua cabeça, que você foi manipulado, que você se encontrava desarmado e desamparado, que é hereditário, que a culpa é do pai, da escola, do governo ou do raio que o parta! É saber da delícia de viagem que é saltar conscientemente de um estado de criação para o outro, até que as criações se tornam inteiramente sutis, porque o desejo também foi sutilizado. O ponto é você saber que há uma saída, e que ela está logo ali.

A Lei da Atração não é nenhuma novidade, é uma idéia antiqüíssima, já que é um modo das coisas acontecerem neste planeta. Apenas, como toda revelação, ela tem uma continuidade no “tempo’, recebendo constantemente nova roupagem nos novos cenários das encarnações. Antes, ela tinha um tom mais hermético, mantinha uma camuflagem mais emaranhada em simbolismos que apenas grupos mais “seletos“ desembaralhavam. O negócio não é só ficar brincando de pensamento "positivo", como ficar hipnotizado, repetindo e repetindo uma afirmação, escrevendo e escrevendo, como numa lavagem cerebral. Mas, é preciso saber, como diz , por exemplo, Leonard Orr, que o pensador é criador em seus pensamentos. Assim como ele acredita, assim é o seu mundo, pois o seu pensamento é um filtro. Às vezes a gente repete um montão de coisas, mas não crê em nada daquilo. Há uma crença subconsciente mais forte, medos e emoções diversas associadas a episódios antigos, aprisionando o indivíduo. Às vezes a gente diz que não entende o que acontece, pois deseja algo, mas acontece exatamente o contrário. No entanto, abra aquela cabecinha e verá a seqüência incontrolável de porcarias, umas atrás das outras, como contas de um terço rezado, mantrado o dia inteiro, dia após dia, com irretocável atenção! A ‘frequência’, a vibração, a qualidade da resposta sempre é compatível com aquilo que predominou no campo! Ponto.

Estamos apenas engatinhando numa aventura de descobertas maravilhosas. Não porque tudo isso sejam idéias "novas", mas porque, de repente, descobre-se que há maneiras mais simples, há um atalho.

Paul Brunton, Trigueirinho, já falavam do caminho longo e do caminho breve. O longo é o da análise, caminho que serpenteia por muitas vidas. Assim como no mito da caverna de Platão, estamos algemados no fundo da caverna, de costas para a boca (saída) da caverna e tudo o que vemos são as sombras projetadas na parede à nossa frente. A Psicologia tem tentado interpretar essas sombras projetadas. Esse é o caminho da Análise, da Psicologia Tradicional, o caminho longo. Usando um exemplo da Sara Marriott, é como se estivéssemos deitados debaixo de uma mesinha de vidro. Sobre a mesa há um quebra-cabeças sendo montado e tudo que a gente consegue ver lá de baixo é a face marrom das peças do quebra-cabeças, pois o lado da imagem está voltado para cima. Assim, ficamos tentando encaixar peça por peça, sem ter a menor noção do desenho. Esse é o caminho da análise, o caminho longo. Mas bastava você se levantar, sair de baixo da mesa, e olhar a partir do alto para compreender melhor a figura sendo montada e fazer o seu insight! Caminho breve!

No mito da caverna, se nos virarmos para a boca da caverna, ainda estaremos algemados, porem veremos de frente a Luz, a Saída, veremos aquilo que está produzindo as sombras que antes tentávamos interpretar, tentando fazer algum sentido. O Caminho breve é girar 180 graus, e olhar de frente para a Luz, tipo, Eu Sou Luz!

Ainda brigamos com a velha crença de que Deus é aquele homem brabo e grandão sentado naquele trono das alturas, cercado por querubins e serafins, uns anjos poderosos pra cacete, mas um tanto sádicos, sempre desconfiados se a gente presta ou não presta e prontos para nos enviar para o quinto dos infernos, claro, sob a intercessão chorosa da sempre virgem Maria sobre a cruz sangrenta de seu muito amado filho! E, claro, ficamos meio que num beco sem saída, pois todos sabemos que há momentos, quando ninguém encarnado vigia, a não ser ELE, o Big Brother, em que pensamos/sentimos/agimos sobre um monte de coisas no escuro do nosso quarto-mundo, coisas que são no mínimo proibidas, estranhas, esquisitas, questionáveis, que vão contra as regras de algum fazedor de regras, portanto, 'mea culpa, mea máxima culpa, portanto peço e rogo...' e eu me sinto tão pequenininha que não tem chance de eu me imaginar à imagem e semelhança do Criador, sempre achando que sou o cocô do cavalo do bandido expulso do paraíso. E se você é mulher, pior ainda, está ferrada, querida, carma brabo, minha filha, porque você é como a danada da Eva, a serpente que deu a maçã para o "pobre" do Adão, e vai arder no mármore do inferno!

Somos incapazes de perceber Deus como a Energia Criadora do Universo, porque personalizamos e coisificamos tudo. Somos incapazes de compreender o significado de que no "princípio" só havia o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. Nada mais existia a não ser Aquela Energia. Fomos criados à partir dessa ENERGIA, dessa matéria prima única, que é da mesma substância do Criador. O Criador cria mundos e com isso Ele se expande, já que Ele é a única coisa que existe. Nós somos filhos do Pai (Embora a gente viva xingando uns aos outros de filhos da mãe! Se ao menos soubéssemos o que significa a energia, o arquétipo MÃE!) e como "herdeiros" de seu DNA sagrado, devemos poder fazer as mesmas proezas e peripécias do Pai. Este é o Caminho Breve. Olhar direto para Aquilo Que Eu Sou e assumir minha hereditariedade, minha ascendência, minha genealogia, minha irmandade, minha essência, minha capacidade criadora! O Caminho Breve!

Eu te pergunto, minha amada, o que é que você escolhe? Acho muito legal, no filme, o Aladim dizendo: Seu pedido é uma ordem! Se acredita em sua fraqueza, você será fraca! Já reparou que tem horas em que a gente acredita nisso, na fraqueza, e vai lá para o fundo do fundo do poço! De repente nos conectamos com algo, talvez uma música, um cartaz, um livro, um email que traz uma imagem, que traz um sonho, que traz um sorriso, que nos lembra nossa força maravilhosa e imperecível, e aí pulamos para fora do poço viscoso e voamos para o céu, imbatíveis, pássaros feitos de luz?! A proposta é, em vez de ficarmos tão ao sabor do vento, aprendermos a velejar. Sustentar nosso campo de energia!

Ah, e quando chegar a tardinha, num dia desses de sol, na hora do sol se pôr atrás da montanha, quando a Terra começa a escurecer para dormir, olhe para ele, para o nosso belo sol, respire calma e ritmicamente. O que será que você vai ver? Verá a boca da caverna, a porta, a SAÍDA! Saberá que o sol, naquela posição pela metade, em semicírculo, aponta para a posição em que nós nos encontramos aqui no mundo, no recesso fundo da caverna, algemados e no escuro e que a saída é atravessarmos a porta do sol, rumo à LUZ, dentro de nós mesmos! Boa contemplação, amiga, mergulhe nessa Luminosidade, e muito grata pela reflexão que me proporcionou nesta manhã de hoje.

Maria Helena,
Florianópolis, 03/05/2007

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

CONJUNÇÃO NA CASA 8


Publicando um texto escrito em 98, credo, século passado! Aí vai:


Depois de ler a Cartografia do Desejo estive refletindo sobre aquela conjunção Saturno - Netuno que temos em Libra, na Casa 8. E me veio que, Ulisses (Saturno) e Penélope (Netuno) ali estão, vivendo lado a lado, dentro de cada um de nós.

Ulisses, que cresce disciplinando-se para a individuação, tem anseios de liberdade, mas também medo do compromisso, medo da intimidade, medo de ser conhecido, julgado e abandonado, ou medo de ser consumido, por isso abandona primeiro, ou vive distante, na indiferença, numa pseudo independência, tentando acreditar que se basta. Seu lema é estar no controle. Ulisses mora na Ilha e tem muito medo de construir uma ponte para o Continente. A verdadeira Liberdade que, de alguma forma, ele pressente, nunca se estabelece por completo nesse exílio porque ele mantêm-se eternamente tenso, numa contínua atitude de defesa contra uma Penélope que ameaça constantemente possuí-lo. Penso na mãe desse Ulisses, que certamente o devorou! Por outro lado, constato em mim mesma o trabalho do meu pai porque, em verdade vos digo, nem só a mãe é voraz!

Penélope, por sua vez, tem medo da secura, da frieza, da impessoalidade e da distância de Saturno, porque o estado de separação lhe causa intensa dor. Em função de sua natureza líquida, manifesta uma inerente necessidade de fundir-se ao outro, transpersonalizando-se, achando que só junto pode tornar-se inteira. Penélope não pode entender a existência do limite entre um e o outro, pois que é vasocomunicante, e vive da contínua consciência do Ser do outro disseminado dentro de si. Acredita que só na dissolução das fronteiras vai encontrar a Liberdade. Sendo do elemento água (Netuno), ela, mutável, amolda-se, dilui-se e penetra a terra, lenta, mas seguramente, e muitas vezes rompe a dura resistência de Saturno, dissolvendo sua velha estrutura através da fantasia e do sonho.

Penso que todo mundo é um tanto assim, mas isso, em nós, particularmente, me parece assustadoramente claro, pois nem bem damos um passo em direção ao outro, fugimos para dentro de nossos limites, suspendendo a parede de vidro temperado e, embora possa parecer que estamos por perto, não estamos mais ali, estamos na Torre de Marfim, intocáveis! Passa um tempo e, tropeçando em nossa própria aridez, rígido isolamento, a necessidade de fusão outra vez toma conta, tomamos coragem e, novamente o famoso abraço pisciano entra em cena, sedutor. Novamente a consciência do olhar, da voz, do calor e da urgência do contato que pode alongar-se indefinidamente sem esforço. E a memória hipnótica de rituais de entrega... Saturno/Ulisses fica então apavorado com a proximidade do precipício, da íntima profundidade oceânica e dissolvente, não só do outro, mas do seu próprio lado Penélope!...O medo de perder a própria e frágil identidade idealizada, construída a duras penas, de perder-se no outro e ser por ele controlado... Então, por mais que Penélope esteja sempre à beira de um mergulho, mais uma vez respiramos fundo e racionalizamos a questão. Mil desculpas... Dá para escrever um tratado, mas quando me percebo nesse revezamento absurdo, eu me canso de mim mesma. Quando te percebo nesse revezamento absurdo, eu me canso de você. Talvez até te encontrar outra vez, queira Deus, em outra volta da espiral!

A conjunção está lá, nos mapas, na bendita Casa 8, mas é preciso re-significar muita coisa pois essa mandala está impressa dentro de nós mesmos! Um mapa não é uma condenação, mas aponta para um estado de coisas que precisa ser trabalhado. Onde está Saturno, uma vez que falte inteireza, existe a consciência da estrutura, do limite e da falta. Talvez, porque algo aí atue em excesso. A conjunção pede que se estabeleça um equilíbrio entre as partes. Talvez, fale de um esforço conjunto, feito do melhor que cada lado possa oferecer. Quem sabe peça de nós uma terceira via, algo diferente disso e daquilo, algo que não polarize tanto, onde talvez se crie uma estrutura para proteger o sonho. Não se pode e nem se deve suprimir Saturno, mas certamente, meu amigo, ao ignorarmos Netuno, nós perdemos o melhor da festa!

Maria Helena, Florianópolis, 15/05/1998

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Na saúde e na alegria...



Oi, querido, estive no sítio desde quinta, plantando bastante. Acabei voltando ontem com uma alergia nas mãos em função do calor desproporcionalmente forte, e da personalidade impaciente, que agravada pelo trânsito de marte na seis, travava suas lutas entre seguir até o final, tim tim por tim tim, não deixando para amanhã a semeadura que deveria ter sido feita anteontem, colocando na terra todas as novas, tenras e belas mudas de árvores, ou sentar-se à beira d’água, à sombra de uma figueira antiga para refrescar os miolos parcialmente cozidos, e descobrir/sentir a beleza de pequenos remansos, oásis por certo criados por gnomos e fadas, lugarezinhos perfeitos, acontecidos aqui e ali, deixando um pouco de lado todo aquele esterco de galinha. Muito trabalho, clima inóspito e essa mania de dar conta. Cheguei a Florianópolis e encontrei as caixas de entradas totalmente lotadas, então, tem que ser aos poucos. De qualquer forma, o fato de ter voltado a chover um pouco por aquelas paragens, depois de 15 dias sem uma gota sequer e a terra literalmente rachada, fez um bem enorme à vida verde e à alma.


Agora, respondendo aos dois importantes emails que você me enviou.


Pois é, meu querido, fiquei sabendo pelo telefone que você tinha ido embora! As coisas nestes tempos andam rápidas! Você bota a atenção numa direção e, vapt vupt, aquilo cresce e eclode!
Então, este é um momento de profundos mergulhos. Quando tudo estiver mais assentado, gostaria de reler seu mapa devagar, para um detalhamento, desvelamento maior. Ou você vem aqui, ou me convida e vou aí. Bom momento, inclusive, para rever um amigo nosso que tem uma pousada bem perto de onde você pensa construir sua casa.


Por ora, mantenha-se vitalizado. De novo, como uma criança, caminhe na praia, sinta-se abençoado, observe as belas características de sua alma, tão diferentes das belas características das almas das outras pessoas, e mergulhe nisso, em ser quem você é, na sua “loucura” particular, em mostrar-se em sua beleza, com simplicidade, naturalidade e harmonia. Silencie um pouco, meu amigo! Esta pode ser uma revolução e tanto! A revolução necessária! Não que não se possa ‘voltar para Casa’ na companhia de outras pessoas, mas temos que ter o cuidado de, ao viver com o outro, não nos desviarmos de nossa meta interior, que é a única meta que conta, embora a gente insista muito em comer o mingau pelas bordas, achando que sempre está quente além da medida! Então ficamos nas meias medidas. Sempre penso nisto com relação a mim mesma! Há pessoas, contatos, que propiciam uma caminhada rumo ao Centro, já com outras, isso pode ser bem mais difícil. Há relacionamentos que nos devolvem à nossa calma interior, à simplicidade do quintal dos fundos da Casa, onde não precisamos ficar eternamente fazendo sala para o outro, podemos descer do salto, sem maquiagens, deixando espaços para esse vazio, esse deserto, esse silêncio tão necessário! Mas há relacionamentos por demais densos, tensos, que se impõem como uma parede, como algo sobre o que temos que estar sempre alerta, onde as palavras não são lidas na fonte e por isso mesmo, por seu entendimento literal, estão sempre sujeitas às más interpretações, ao conflito. Há contatos tão solicitativos, tão carentes, tão absorventes, que nos exigem um cansativo paparicar além da conta, um não descanso na presença da alma do outro, mas respiramos com esforço e luta! Eis sua tarefa, separar uns de outros! E saber o que você convida, o que você permite e porque. Ama-se a todos, mas não se traz qualquer um para dentro da casa humana. No plano da Alma, as casas não têm paredes, o universo todo namora, comemora dentro da Grande Morada! Mas enquanto separamos aqui de lá, viver juntos em harmonia é tarefa para PHDs! Um "amor", nesta terra, não deve nos afastar daquilo que somos, nem ser uma meta em si mesma, a ponto de ficarmos cegos, girando em torno da pessoa, tratando de agradá-la, ou buscando uma pseudo-segurança, ou nos embebedarmos com sua presença, ópio erótico, fazendo da relação um fac-símile de Deus. Ver a Fonte no parceiro, caminhar juntos como uma forma de vibrar sinergicamente em direção à meta única, uma tabelinha bem sincronizada para se chegar ao sutil, mano a mano, olho no olho, como uma estratégia de manter o entusiasmo de servir, de crescer, do trabalho de espelho, de harmonia, de alegria, é muito bom, com certeza! Mas ficar às voltas com coisas que não fazem mais sentido para nossa consciência, isso é, sem dúvida, complicado. A paixão é a centelha que, ao virar fogo, deve subir para os céus, e não continuar indefinidamente queimando nos pólos mais baixos!


Mudar sua vida, torná-la de fato livre e não apenas rebelde, superficialmente desapegada, uma vida melhor e, conseqüentemente, tornar o mundo um lugar mais claro, criativo e significativo para se viver, não é apenas sua responsabilidade para com você mesmo, mas uma oportunidade de fazer sua vida valer alguma coisa, uma escolha de não seguir com a boiada, um privilégio de manter a luz-guia diante dos olhos e segui-la, uma bênção mesmo, num mundo de repetidores infelizes e paralisados, um presente para si e para aqueles que, ao vê-lo, possam com satisfação saber que é possível chegar lá, pois, cara, não é que ele foi mesmo! Querido, mergulhar no grande Mar Interior, Céu de nossa Alma e de lá irradiar inequivocamente Aquela Luz, nosso trecho, nossa fala, nossa parte no roteiro deste filme, isso é assumir nossa missão!


Envio-lhe, então, todo o Amor, toda a Paz, e os melhores votos de sábia visão. Saiba que vejo você, sua alma, em plena saúde e alegria, e agradeço pelo tanto que aprendo através de sua jornada.


Meu melhor abraço,
Junto,
Maria Helena


Florianópolis, 11:34 horas de 08 de novembro de 2009