segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Vida após a Morte


Em São Paulo, entre vôos, nessa nova vida sem mais pais encarnados, tendo ajudado a levar a “casinha-envólucro” que mamãe ocupou nestes 82 anos para cremação em Vitória, ES. Como ela resolveu trabalhar fundo até o final, o cenário teve direito à superbactéria, a marvada MRSA, e ela, invadida por todos os lados pelos equipamentos de UTI que pareciam ainda mais “megalomaníacos” em função delazinha estar tão pequena e frágil. Valente mama, que escutou os rituais de despedida de cada um dos 9 filhos, cada um ao seu jeito, estilo muito próprio, no seu tempo, na sua maneira de ver, de sentir seus afetos, seus medos, e depois da luta, seu desapegamento. Belos irmãos. E nós, em nossas estórias de “você reparou como ela olhou concordando”, o que eu senti, o que sonhamos, segundo Yasha, a versão do piloto, a do co-piloto e a versão verdadeira. Só que essa objetividade é nonsense, na prática não existe! Valente, mama, cujo olhar inteligente de escorpião, direto no olho, esteve presente até quando foi possível. Navega querida, o mar vasto é teu!

Velório cheio de muitos ganhos, recuperando contato com primos queridos, recuperando inclusive aquela via particular de acesso/curtição estabelecido na infância e aquele ângulo de retroalimentação e aprendizado únicos que apenas aquelas pessoinhas queridas sabem estimular dentro da gente, daquele jeito. Grata à minha mama ainda por mais isso.

Retorno acrescida. Curioso esse fato: a morte dos pais nos preenche. Ficamos mais fortes, mais amorosos, menos desvalidos. Talvez porque agora eu me torne finalmente a mãe, e não mais a filha. E como morte é sempre uma questão de definição, sinto minha mãe mais viva do que nunca, e eu, assim ampliada, numa gratidão imensa por mais uma vez ter recebido dela a Vida.

São Paulo, no Ap que o Yasha divide com o Zé Colméia, Bruno e outros comandantes enquanto estão entre vôos, à moda de casa-fora-de-casa, assim como nós mesmos aqui no planeta, cumprindo escala. Está rolando um violãozinho, tudo gente boa. Enquanto nosso vôo para Floripa não vem, me lembro que tudo isso coincide com meu segundo retorno de saturno.

(O mais louco de tudo é o Zé Colméia dedilhando o violão, enquanto conversam sobre estórias e bravatas da profissão, já que piloto é piloto em toda a parte, e de repente, numa inconsciente lembrança de sua própria infância ele brinca com as cordas, e paro de escrever, impressionada, enquanto ele toca ”mãezinha do céu, eu não sei rezar, só sei repetir, eu quero te amar. Azul é teu manto, branco é teu véu, mãezinha eu quero te ver lá no céu”. Cantei isso para a mama, sussurrando em seu ouvido, enquanto ela, entubada, estava em sedação profunda. Cantei algo que ela mesma me ensinou quando eu era pequena. Algo que para ela e para nós fazia sentido, numa linguagem que ela conhecia bem, direto ao ponto. Esse guri-comandante de forte sotaque paranaense, uma vez também aprendeu a modinha com sua mãe. Embora neste momento, justamente esta musiquinha, tão antiga, tocada assim, displicentemente, no violão de um menino tão novo, me pareça algo tipo surreal. A sincronicidade mais uma vez atravessa escancaradamente nossas vidas.)

Fui

Maria Helena

07/02/2011 às 11:13